segunda-feira, 4 de agosto de 2014

A chegada

No caminho para a casa, mais perguntas, Botafogo, foi assim o primeiro bairro carioca que recebe a pequena ribeirinha do Juruá. Toque de campainha, um rapaz alto demais para ela, acostumada a estatura mediana dos amazônicos, atende a porta aturdido ainda pelo sono; o comandante explica o necessário, e antes que termine o resto da família vai chegando,uma família que não lhe dizia absolutamente nada, rostos estranhos, desde a compleição física até o jeito de falar, acolher; tentavam ser gentis, mas olhavam-na não como a uma criança, mas como um 'ser" exótico, atípico, estranho também para eles, mas, educados esforçaram-se em dar-lhe as boas vindas, embora deixando claro a decepção com o tamanho da menina,esperava alguém maior.
É o início de uma nova vida.Outra linguagem, outra forma de comer, portar-se, outra cultura.Tempo de reaprender quase tudo.
Irmãos, avós, tios e tias, primos e primas, a grande família do seringal, com quem vivera até então ficara definitivamente para trás, a menina deu-se conta que não voltaria e silenciosamente chorou por noites seguidas. Páginas em branco começariam a ser escritas
  A VIDA NO RIO
Os dias seguem lentamente o "bichinho assustado"vai tentando adaptar-se a nova vida; seu instinto de sobrevivência fala mais alto e ela luta para sobreviver ao impacto da mudança. Não fica com a tia, esta a entrega aos cuidados de sua filha mais velha, casada e mãe de duas crianças pequenas. Ali a menina viveria
por alguns anos, entre os estudos e algumas pequenas obrigações domésticas, como ajudar a cuidar dos priminhos menores.Mais uma vez a infância abortada.Apesar dos dez anos, era ainda uma criança, respondendo por responsabilidades e tarefas inerentes a uma pessoa adulta.Para época nada demais, nenhum direito violado, mas a indiazinha, como as pessoas a viam não tinha tempo para brincadeiras. No seringal, não havia bonecas de luxo, mas bonecas de pano confeccionadas pela vó Marieta, e que eram suas companheiras, além disso as brincadeiras de roda nas noites enluaradas no imenso terreiro do barracão. Ali ficara os últimos resquícios de uma infância abortada.
No novo "lar", não havia mal tratos físicos, mas faltava aconchego, ternura, alguém que acolhesse e entendesse a sua dor, a sua saudade, ao contrário perguntavam o que lhe faltava se tinha comida, roupa, cama para dormir, não havia tempo a perder com bobagens; tinha tarefas a cumprir na escola e em casa.
    Cresceu triste, com uma melancolia que se tornaria crônica, palavras poucas, armazenava no peito um vendaval de emoções. Destacava-se na escola, mas não havia aplauso incentivo, não fazia mais que obrigação, e então cultivava silenciosamente uma inveja das colegas que temiam mostrar o boletim com notas vermelhas para os pais, fantasiava imaginando que seus pais eram vivos criava diálogos com eles que jamais repartiu com alguém.Continuou a estudar com interesse, o estudo era uma válvula de escape e respondia a perguntas que jamais se atreveria a fazer aos adultos que a cercavam.
Ao longo do crescimento a aculturação foi inevitável, e trouxe crescimento intelectual, mas não a ponto de esquecer as origens. O rio, a floresta, o seringal, eram lembranças vivas que guardava na esperança do reencontro com sua gente.   ( próximo cap, A conturbada adolescência)


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Maria Inês Pereira. Tecnologia do Blogger.